Às vezes, a queda é inevitável. No intercâmbio, ela é implacável.
Mas o que muitos não nos dizem é que saber cair tem seu valor. Entregar a luta, baixar as armas, reconhecer a superioridade do adversário. Seja ele o cansaço, a rotina ou a saudade. Ou todos juntos. E no intercâmbio, os adversários são muitos. Resistimos a quase todos.
Em muitas situações precisamos aprender a resistir e, por outro lado, precisamos também re-significar as quedas, os tombos e tropeços. E por mais que pareça clichê ou piegas, nada nos ensina tanto quanto a vida fora da nossa zona de conforto, do nosso país e longe das nossas origens. São tantos desajustes quando desembarcamos em território estrangeiro que não há uma alma intercambista sequer que não tenha alguma história de superação. E no final, intercambista vira mesmo é contador de histórias.
Bem sabemos que a realidade difícil está em toda parte (inclusive no Brasil nesse exato momento). Mas enfrentar uma realidade dura longe do nosso porto seguro amadurece tanto, de verdade e sem demoras. Criamos tantos corpos de resistência que já nem sabemos mais ao que estamos resistindo.
Somos corpos de resistência depois daquele dia estafante que deu tudo errado, de ouvir ladainhas sem sentido, de conviver com pessoas mesquinhas de diversas nacionalidades. Corpos de resistência depois de passar o dia carregando peso, de aguentar as constantes e inevitáveis dores nas costas que nem remédio alivia. Somos resistência no final de um dia que constatamos que envelhecemos uns três anos em três dias. Somos corpos de resistência por colocarmos a cara a tapa naquele emprego meia boca, acordar às cinco da manhã em um domingo chuvoso num inverno obscuro – e se virar para chegar no trabalho porque, para quem não sabe, os ônibus em Dublin aos domingos só começam a circular depois das oito da manhã.
Resistimos ao tentar dar o nosso melhor mesmo quando o ambiente não colabora nem um pouco. Corpos de resistência ao lavar inúmeras privadas sejam de hotéis ou de pubs e em cada uma delas nos questionarmos: o que eu estou fazendo aqui? o que eu estou fazendo com a minha vida? E mesmo sem encontrar respostas, seguir, resistir ou quem sabe insistir? Pois não há respostas e muito menos glamour no dia a dia pesado, cruel, mecânico e avassalador. E me desculpe se você acabou de chegar em Dublin ou tem pretensões de fazer um intercâmbio num futuro próximo. Não me leve a mal. Não estou sendo negativa, só estou apresentando um outro lado muito pouco falado.
Deixemos o glamour para as viagens, para as fotos no instagram, para os raros dias de refeição em restaurante e o orgulho de completar algumas folhas com carimbos no passaporte. E mais uma vez guardar histórias que todos esses lugares deixaram de herança. São essas pequenas-gigantes conquistas que nos fazem continuar. E continuamos, renunciando fins de semana e feriados, aniversários de familiares, o nascimento de um sobrinho, o casamento de um amigo. Antes que digam “a escolha foi sua”, já adianto que não é isso que está em questão. Obviamente a escolha de passar por tudo isso é de quem está aqui. É que muitas vezes (e na maioria delas) as pessoas fantasiam demais um intercâmbio. Ok, isso é totalmente perdoável. Não é culpa delas e talvez tenhamos nossa parcela de responsabilidade por compartilharmos somente aquilo que é digno de likes – viagem, passaporte e “check-in”s. E é claro que para quem não precisa colocar a mão na massa pra trabalhar é um intercâmbio dos sonhos. Mas será que teria tanto aprendizado e tanto amadurecimento nesse pacote?
Não há tantas resistências sem quedas e não há quedas que já não foram resistências. No entanto, para nos salvarmos dessa implacável rotina, a gente só precisa deixar que algumas coisas sigam seu próprio fluxo. Fechar os olhos ou fazer vista grossa e engolir alguns sapos também fazem parte dessa e de qualquer realidade (guardadas as devidas proporções). Aí que que se revela o ingênuo engano de quem acha que entregar os pontos é sinônimo de fraqueza. E escolher não brigar não significa uma personalidade fraca. Ao mesmo tempo que brigar por tudo não demonstra força (e nem inteligência).
Parece que aqui na Ilha da Esmeralda já iniciou a temporada das flores. E junto com ela o maior ensinamento empírico de resistências. Ouvi dizer também que na terrinha natal começou a estação das folhas que caem, mostrando o significado das necessárias quedas que vêm para renascer. São dois lados de uma mesma moeda. Seja na Irlanda ou no Brasil, na primavera ou no outono, nesse campo de batalhas a gente se equilibra como pode entre tombos e re-erguidas.
E voltando às histórias e aprendizados, quantos cabem dentro de um intercâmbio?
Texto ‘super’ – bem redigido, prima. Gostar de escrever, bem…, deve ser de família. Lhe desejo sucesso extremo (esta última palavra, pronunciada em autêntico carioquês de Petrópolis). Cheiro em seu coração. Até a volta.
Obrigada pelo carinho, moça.