Nem era certeza, mas a possibilidade de ser real já foi o suficiente para fazer bailar algumas borboletas no meu estômago. A proposta? Trabalhar na minha área (jornalismo) em um dos lugares mais incríveis, caóticos e democráticos do mundo: na Avenida Paulista, em São Paulo. Cada visita a essepê e à Paulista era um suspiro “imagina eu trabalhando/morando aqui”. E o mais paradoxal é que eu nunca cheguei tão perto dessa realidade estando fisicamente-absurdamente tão longe. Esse sonho já adormecido ressurgiu atrapalhando noites de sono, depois de dois anos morando em Dublin e quase três sem trabalhar de fato na minha área. E a pergunta martela: Devo ficar ou devo ir?
Se eu pudesse dividir o intercâmbio em três fases seria: empolgação, adaptação e resignificação. Na primeira parte está tudo no mundo das ideias, fantasiosa como a realidade de uma criança descobrindo tudo a sua volta. Na segunda fase já adaptamos ao país, temos nossa rotina organizada e algumas-várias reclamações como no post que eu escrevi sobre o lado B do intercâmbio. A terceira fase é um misto de incertezas angustiantes de “o que eu vou fazer agora?” fazendo nascer a tal “síndrome do retorno” para aquela velha realidade. Se antes era o medo de vir e encarar um novo país, agora a preocupação é voltar e não se encaixar mais na antiga vida.
E aí passa um filme na cabeça com essa possibilidade de retorno e a fase de resignificar todo um intercâmbio. Os prós e contras vem em uma avalanche de pensamentos e a tentativa de agir racionalmente me fez criar uma lista enumerando as vantagens e desvantagens. O fato é que essa lista não agrega toda a parte sentimental que está por trás tanto do voltar para o Brasil como o de ficar na Irlanda. Os inúmeros caminhos que cabem dentro da palavra “possibilidade” é um tanto perturbador juntamente com a pergunta “e se?”. Quem já está na terceira fase do intercâmbio sabe o quão inquietante é ficar um longo período fora do mercado de trabalho.
A rotina por aqui adormece os conhecimentos que, com ou sem esforço, foram adquiridos em quatro ou cinco anos em alguma graduação no Brasil. Ficamos mais mecânicos por conta dos trabalhos “braçais”, aprendemos novas tarefas e responsabilidades e consequentemente nos despimos do preconceito de “subemprego”. É o engenheiro que virou chef de cozinha, a analista de TI que agora é garçonete, o contador que largou os números para trabalhar em bar, o analista de computação que hoje é motoboy, a dentista que aprendeu a ser camareira, o advogado que se tornou caixa de mercado, a enfermeira que se divide em diversos empregos para completar as quarenta horas semanais e tem a psicóloga que virou babá. No meio de novos empregos e o contato com diferentes nacionalidades faz a gente trocar o português pelo polonês e soltar um “Curva” de vez em quando no lugar do nosso palavrão mais comum.
De qualquer forma, o intercâmbio tem prazo de validade e obviamente tem hora para acabar depois de um tempo. Quem determina esse tempo somos nós porque ainda assim a “síndrome do retorno” faz com que prolonguemos mais e mais a estadia pelos lados de cá, esgotando todas as formas de permanecer mesmo sendo inegável que, por muitas vezes, a vontade de voltar, ter o emprego de antes e uma casa “normal” falem mais alto. As dúvidas e medos rondam como se fossem nuvens carregadas em dias de tempestade. A gente quer estar lá, mas sem abrir mão do aqui.
Entre questionamentos e incertezas, os amigos do lado de lá aconselham”não volta” e os de cá estão no mesmo barco. Enquanto isso, coincidência ou não, na minha playlist toca Charlie Brown Jr e o que mais ecoa na minha mente é a parte: cada escolha, uma renúncia, isso é a vida. Estou lutando para me recompor.